Benefícios, riscos e controle do ativo imobilizado e o crédito do ICMS
No dia, 11/04/2017, em São Paulo-SP, tivemos a honra de participar como debatedor da 4ª. Edição do Congresso Nacional de Tributação, patrocinado pela CONFEB. Um evento importante que reuniu grandes empresas e os mais renomados especialistas do país em direito tributário para discutir temas relevantes de interesse nacional.
A nossa participação foi relacionada com o tema “Analisando o ICMS à luz do CPC na visão SEFAZ/SP”.
Pelo fato de ter sido Líder do Projeto da implantação da ECD/Sped na Sefaz-SP e publicado livro e artigos a respeito e antes de me aposentar no ano passado, fiz um breve resumo do impacto sobre a convergência da contabilidade a padrões internacionais e o seu reflexo sobre o ICMS.
Embora eu já faça isso há mais de 5 anos, sinto que ainda soa estranho e muitos torcem o nariz quando se procura relacionar os Pronunciamentos Contábeis CPCs com o ICMS.
Eu centrei a minha fala no ponto em que a legislação do ICMS está frágil para impor qualquer condição para a tomada de crédito do ICMS para os bens do ativo imobilizado e expliquei o porquê; seja por conta do § 10 do artigo 61 do RICMS/SP ou do artigo 20 da LC 87/96, uma vez que estes dispositivos legais estão aderentes e possuem como lastro de sustentação uma legislação que não está mais em vigor desde 31/12/2007.
O artigo 20 da LC 87/96, fonte dos RICMS dos estados relacionado ao ativo imobilizado está revogado tacitamente em razão do alargamento do conceito de ativo imobilizado. Com isso, todos os regulamentos de ICMS de todos os estados e do Distrito Federal estão irregulares causando confusão e insegurança para as empresas, o estado, os agentes do fisco, contadores, advogados e o judiciário.
Reforcei que o alargamento do novo conceito legal de ativo imobilizado contrasta com o antigo conceito “revogado”, sobre o que, talvez por uma ausência de reflexão maior, pouco se fala, se escreve ou se critica. Com isso o fisco aplica a legislação de forma equivocada, muitas vezes com autuações, e as empresas recolhem mais ICMS ou creditam-se de forma indevida ou insegura. Nesse caminhar, a ineficiência, de forma silenciosa, chega ao fisco e às empresas e com ela os riscos que estão sendo assumidos por ignorância legal de direito privado e tributário e oportunidades que estão sendo desperdiçadas de se cobrar ou deixar de se recolher o ICMS.
Eu provoquei os presentes no evento diante de uma consulta sobre quem teria direito a crédito do ICMS sobre o ativo imobilizado: uma empresa industrial A, montadora de veículo, que remetia equipamentos em comodato à empresa B que, pela natureza do bem, este poderia figurar no ativo de A? ou a empresa B, autopeças, que recebia os bens em comodato e os utilizava por longo período diretamente na sua linha produção?
Alguém poderá levar a discussão para o fato de que quando da aquisição desses equipamentos, o ICMS foi pago à empresa vendedora dos equipamentos pela empresa (A) e que em razão do artigo 155, parágrafo 2º, II, b, o eventual crédito de ICMS deveria ser estornado em razão da operação de comodato e outros poderão argumentar que não, já que o inciso V do § 5º do artigo 20 da LC 87/96 prevê a perda do crédito somente nos casos de alienação dos bens do ativo permanente. Outros ainda podem argumentar que na operação em comodato não existe a circulação jurídica e desta forma não se configura alteração da propriedade dos bens cedidos e por este motivo o crédito do ICMS, em razão do princípio da não-cumulatividade, continuaria a pertencer a empresa (A).
Nesse que parece ser um nó górdio legal, a questão não se resume tão simplesmente sobre com quem ficou o encargo do ICMS pago na aquisição dos bens, no caso a empresa A, para discutir o direito ao crédito do imposto, ou mesmo o fato de a operação ser de comodato, em que o bem deve ser devolvido nos termos dos artigos 579 a 585 do Código Civil/2002, e assim o crédito do ICMS ficar com a comodante, no caso, a empresa A.
O que é importante e fulcro da discussão em tela deveria ser o que pode ser considerado um ativo imobilizado à luz do artigo 20 da LC 87/96 a partir da publicação da Lei 11.638/07 e também da NBC TG 27 (R3) Ativo Imobilizado, aprovada pela Resolução CFC 1.179, em 24/07/2009, já que esses normativos regem a partir da data da sua publicação a forma de como se deve reconhecer, mensurar e evidenciar um bem corpóreo como ativo, assim como o adequado local, a empresa, em que deverá figurar como tal.
RESOLUÇÃO CFC Nº. 1.177/09 Aprova a NBC TG 27 – Ativo Imobilizado
“ ... Definições 6. Os seguintes termos são usados nesta Norma, com os significados especificados: Ativo imobilizado é o item tangível que: Correspondem aos direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da entidade ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram a ela os benefícios, os riscos e o controle desses bens. (gn)...”
A resposta adequada à indagação acima sobre quem possui o direito ao crédito do ICMS sobre ativo imobilizado, passa obrigatoriamente também pelo crivo da condição estabelecida pelo direito contábil, qual seja; a transferência de benefícios, riscos e controle sobre os bens, conforme exposto acima.
No caso, quem deverá efetivamente lançar os equipamentos em comodato como ativo imobilizado é a empresa B, já que ela é quem obterá os benefícios, os riscos e o controle desses bens, na forma do item 6 da Resolução CFC 1.179/09. Se a empesa A lançá-los como ativo imobilizado estará agindo contabilmente de forma incorreta. Se a empresa B lançar os bens como ativo imobilizado estará preenchendo o pré-requisito legal do artigo 20 da LC 87/96, qual seja, deter em seu patrimônio um ativo imobilizado na forma do novo ordenamento legal contábil vigente no país.
Eu sempre disse que se a legislação tributária utiliza os limites do artigo 109 e o seu desdobramento no 110 do CTN para a pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado, por outro não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance destes mesmos institutos, conceitos e formas, o que significa dizer que se consta vigente no país um novo conceito de direito privado para ativo imobilizado, ele deve ser respeitado, ou então que se modifique a legislação privada ou a tributária.
Resumidamente, expliquei que estamos em uma silenciosa e perigosa insegurança jurídica no país, pois a definição, o conceito e o alcance do ativo imobilizado utilizado pela legislação tributária já não são mais os mesmos quando do nascimento da LC 87/96.
E, se até hoje não existe uma definição de ativo imobilizado em nenhum dos RICMSs dos estados, resta evidente a necessidade de respeito por parte do fisco estadual ao novo ordenamento legal contábil com seus respectivos princípios e conceitos vigentes.
Tanto é verdade que na Sefaz-SP as últimas tentativas de definição de ativo imobilizado para orientação aos contribuintes foram através das DN CAT 1/2000, 2/2000 e 2/2006, sendo que todas elas perderam validade, pois o seu lastro é a Resolução CFC 686/90, revogada pela Resolução 1.283, desde 28/05/2010, exatamente pela alteração de definição conceitual.
Por isso tudo, se de um lado o contribuinte não pode minorar ou extinguir uma obrigação fiscal, o estado também não pode extrapolar e gravar aquilo que está omisso na lei. Não se trata aqui de dizer que não existe mais ativo imobilizado, mas que a sua definição, conceito e o seu alcance foi drasticamente alterado. Ou seja, o estado deve respeitar os limites da sua competência para avançar sobre essas novidades trazidas pelas definições, conceitos e abrangência dos institutos privados, em especial os pronunciamentos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis e, no caso, o novo conceito de ativo imobilizado.
Hoje, a forma de atuar dos estados é de simplesmente restringir o direito, ainda que não devesse, já que o ordenamento legal contábil foi alterado e a legislação tributária do ICMS não criou restrições legais sobre este alargamento conceitual do ativo imobilizado para nosso exemplo e outros casos vividos no dia a dia das empresas.
Os artigos 178 e 179 da Lei 6.404/76 alterados pela Lei 11.638/07, desde de 01.01.2008, não são mais os mesmos que ofereciam lastro para suportar o artigo 20 da LC 87/96, simplesmente pelo fato de que não existe mais a figura do ativo permanente neles previstos.
Ignorar esse fato é fechar os olhos e discriminar os institutos, os conceitos e as formas de direito privado, em especial os contábeis, cingidos nos artigos 109 e 110 do CTN, e se eles estão inseridos no CTN é porque houve uma cristalina demonstração da Constituição Federal de colocar em evidência e importância o direito privado face os limites do direito tributário.
Lamentavelmente, pelo lado das empresas, a ineficácia na comunicação entre a área de controladoria e a tributária resulta em prejuízo sobre a discussão desse importante assunto. Nos estados, infelizmente, na área fazendária, talvez por conter uma maioria de intérpretes tributaristas, sem nenhum demérito a essa importante classe de profissionais, existe um distanciamento desta discussão ou tratamento com desdém, ainda que para reflexão sobre o aspecto econômico da alteração contábil, apenas.
Esquecem-se de que, por normas legais do Conselho Federal de Contabilidade, a exemplo da NBC TG 27 (R3) Ativo Imobilizado, Resolução CFC 1.179/09 e os artigos 178 e 179 da Lei 6.404/76, o reconhecimento, a mensuração e a evidenciação de bens físicos lastreado na prevalência da essência econômica sobre a forma jurídica está alterado desde 01.01.2008 e assim não devem as Secretarias de Fazenda dos Estados manter um resultado equivalente de entendimento para algo que foi substancialmente alterado técnica e legalmente isso deve ser corrigido urgentemente como medida de justiça.