20, DEZ 2016  Manoel de Almeida Henrique

Crimes fiscais, lições e soluções contábeis e judiciais

O Brasil vive um dos mais sérios momentos de transformação da sua existência e o sentimento da sociedade é de apreensão, ansiedade, temor e busca de uma saída para a crise.

Para todos os brasileiros, indistintamente, está sendo uma experiência nunca vivida e com certeza após este processo de renascimento, apesar das dores dessa nova passagem, a sociedade deverá estar mais fortalecida e madura.

A opulência da decadência que se mantinha oculta, agora é exposta e um dos resultados que podemos considerar como positivo é a esperança da ascendência da nossa nação para a prática da ética na política, nas empresas privadas e estatais e nas contas públicas.

Porém, para que isso possa acontecer é importante que todos os segmentos da sociedade aprendam a lição, não repitam os erros do passado, exercitem a autocrítica constante e tenham criatividade e coragem para impor novos modelos de controles e transparência. E transparência não só para o setor público, mas igualmente para o privado.

Neste contexto, como técnico da área de tributação e contabilidade e já tendo visto e enfrentado muitas fraudes sofisticadas e bilionárias, ainda assim me surpreendem a cada dia os fatos noticiados pela mídia sobre desvios bilionários da Petrobras, dos valores utilizados pela Odebrecht e agora, vendas sem nota fiscal de milhões de reais efetuadas por duas renomadas joalherias a uma só pessoa.

Fico a imaginar a engenharia contábil e os complexos ajustes que devem ter sido necessários para camuflar todos estes volumes de valores desviados. Pouco se fala sobre as atitudes dos profissionais técnicos envolvidos ou que deveriam estar envolvidos, como por exemplo os profissionais contábeis, os auditores, as entidades de classe, como por exemplo o Conselho Federal de Contabilidade – CFC, e também a própria fiscalização tributária dos três entes federativos.

Por que isso tudo ocorreu nesse volume extraordinário sem que ninguém percebesse?

Talvez, parte da resposta complexa desta questão esteja na base do que deve sustentar tudo aquilo que for de interesse público: “Conhecimento e Transparência”. Tal situação pode ser percebida nas entrelinhas da notícia da página A15 do jornal O Estado de S. Paulo de 08/12/16 que informa que as joalherias poderiam ser isentadas do crime tributário em razão de terem emitido nota fiscal das operações omitidas.

A importância do “Conhecimento” se faz notar nesse momento, pois o repórter não é obrigado a deter competência sobre o direito tributário e discernir o que está certo ou errado em uma informação recebida, porém os profissionais contabilistas, do direito, o Ministério Público ou as Administrações Tributárias envolvidas já não podem usufruir dessa condescendência. O motivo é que na notícia do jornalista sobre a isenção do crime tributário das joalherias houve um sério equívoco, pois na Lei 8.137/90 que define crimes contra a ordem tributária não consta tal previsão de “isenção” para esse crime. Ou seja, as joalherias não podem ser “isentadas”, pelo contrário.

O que é esperançoso nas entrelinhas da notícia é a “Transparência” da informação, no caso, que houve agora a emissão das notas fiscais das joias entregues no passado sem documentação fiscal. A transparência é importante, pois permite à sociedade acompanhar não só a competência técnica fiscal dos profissionais das empresas envolvidas, mas também aos órgãos públicos relacionados ao caso. Se de fato ocorreu o noticiado, as notas fiscais foram emitidas em um total desconhecimento da legislação tributária, pois o fato gerador do imposto, no caso do ICMS, é a saída mercadoria, nos termos do artigo 3º do RICMS-RJ- Decreto n° 27.427/00. Na notícia existem duas irregularidades fiscais, uma por ter deixado emitir a nota fiscal quando devida na saída efetiva das joias no momento certo e outra, agora, pelo fato de se emitir neste momento uma nota fiscal sem que tenha havido a saída das joias da empresa.

Assim, para saneamento da situação, o fisco carioca, obrigatoriamente, sob pena de prevaricação deve lançar o auto de infração com a respectiva penalidade, mais os acréscimos e o imposto, que sendo recolhido ou não deverá oferecer a denúncia ao Ministério Público, já que o artigo 16 da Lei Federal 8.137/90 assim determina.

Da mesma forma relacionada a crimes, contabilidade e prejuízos à nação é a notícia que, em razão de maiores destaques políticos na mídia no momento, passa quase despercebida; em 02/12/16, o Jornal O Estado de S. Paulo, caderno B-7, informa que três em cada dez brasileiros compram produtos piratas.

Sobre esse fato, pesquisamos, e o ETCO Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, em seu site, noticia que são cem bilhões de reais em produtos ilegais que circulam de forma a não pagar os impostos no país, causando além da sonegação de tributos, concorrência desleal e desemprego.

Empresas privadas, grandes, médias ou pequenas, ou organismos públicos são entidades obrigadas a manter um sistema de contabilidade e, neste caso, por que os recursos técnicos da ciência contábil não foram hábeis para detectar, prevenir e impedir este descalabro que corroía e corrói silenciosamente as estruturas financeiras e morais do nosso país?

Falhou a legislação contábil, os Órgão de Classe ou os profissionais Contadores? Se foi a legislação contábil, o que está sendo efetuado para impedir que novos fatos no futuro não venham a ocorrer? Se foram os profissionais Contadores e os Órgãos de Classe, o que eles têm a dizer?

Antes de considerar uma ou mais respostas, é importante refletir sobre o atual embate no nosso país entre o legislativo, executivo e o judiciário como um sério e forte exemplo da necessidade de se adotar cautela com os limites do corporativismo, pois é no excesso que se encontra escondido, e de forma silenciosa, o elemento maligno que a toda uma classe de profissionais contabilistas pode fazer sucumbir.

Ao nosso ver, um meio de fortalecer o profissional contábil é o Conselho Federal de Contabilidade-CFC fiscalizar com mais rigor, de forma metódica, programada, inclusive com divulgações transparentes sobre as atividades de inspeção dos profissionais contábeis responsáveis pelas escriturações contábeis, principalmente das grandes corporações, não no sentido de ter como prioridade a punição dos profissionais, ao menos que seja o caso, tampouco fiscalizar tributos ou auditar o patrimônio das empresas, mas sim de prever, punir os erros dolosos profissionais e, em sendo o caso, aí sim, através de convênios, até como dever de cidadania, comunicar as autoridades sobre eventuais irregularidades praticadas que podem ser consideradas graves para a sociedade, sejam elas tributárias ou de mercado. O interesse coletivo deve estar sempre acima do individual.

Na obra “Livros Contábeis A Escrituração Contábil no Atual Cenário Tributário”, editora Trevisan, às páginas 256, no subcapítulo, “Responsabilidade do Contabilista”, lembramos da extrema importância do contabilista, porém do mesmo modo, apontamos suas obrigações e recomendamos a necessidade de vigilância para não ser penalizado pelas mais diversas legislações relacionadas às suas atividades, seja nas situações em que estejam sob o seu efetivo controle ou nas que possa não faz parte diretamente.

Neste momento de dúvidas, ansiedade, instabilidade econômica e judicial nunca se demandou e se contou tanto com as ciências do direito e a contábil e a estas é imperativo que seus órgãos de classe, OAB e CFC estejam fortes e amadurecidos para poderem contribuir mais ainda para o renascimento de um Brasil melhor.

Fonte: http://www.contabeis.com.br/artigos/3678/crimes-fiscais-licoes-e-solucoes-contabeis-e-judiciais/

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