O crédito acumulado e a crise
Atualmente, as grandes empresas e seus administradores sentem, além dos efeitos da crise do país, as consequências da economia globalizada e, consequentemente, buscam soluções e justificativas para suas Matrizes e principalmente para os investidores em relação aos expressivos valores ociosos estampados em suas demonstrações financeiras. Por outro lado, os investidores analisam as demonstrações financeiras e solicitam explicações, demonstrando sérias preocupações com os seus valores investidos. Em um mundo digital, com informações “online”, com transações efetuadas em segundos, a moeda já não possui territorialidade e, muito menos, distâncias para as cobranças.
O Brasil, preocupado com este cenário e na busca por investidores estrangeiros que exigem transparência dos demonstrativos financeiros preferiu alterar a Lei das S/A. – Lei 6.404/76, através das Leis 11.638/07 e 11.941/09. Assim, com o objetivo de se adaptar aos novos padrões internacionais, a legislação brasileira procurou criar regras claras e objetivas, iniciando o processo de transparência e convergindo a contabilidade brasileira às normas internacionais de contabilidade visando a um só padrão de execução e interpretação.
Em razão deste novo ordenamento jurídico, por exemplo, um estoque de mercadoria que só pudesse ser comercializado após o exercício seguinte, ou mesmo aqueles equipamentos que exigissem um longo período para a sua produção, deveriam ser classificados no Ativo Não Circulante Realizável a Longo Prazo, e não no Estoque como Circulante.
Paralelamente a este raciocínio, o saldo credor do ICMS e do IPI continuado, o crédito acumulado de ICMS e IPI e o ressarcimento do ICMS são direitos realizáveis, que em tese se consomem com a compensação ou eventual transferência para utilização.
Neste contexto, considerando os expressivos valores de saldo credor de ICMS, IPI créditos acumulados de ICMS e ressarcimento ICMS-ST que são gerados e que devem ser contabilizados, há certa intranquilidade para o administrador-executivo moderno face à complexidade atual e a consequente não utilização destes valores e à necessidade de ter que decidir juntamente ao contabilista responsável como deverá classificar estes valores no balanço contábil, principalmente, os atos ou fatos relevantes, lembrando que a principal premissa que deverá nortear a sua decisão é o conceito da essência e realidade econômica prevalecendo sobre a sua forma legal.
Com efeito, se não houver previsão de consumo no exercício destes valores de ICMS e IPI retidos na forma Crédito acumulado, saldo credor continuado ou ressarcimento de ICMS-ST, estes ativos deverão ser classificados em “Ativo Não Circulante Realizável a Longo Prazo” – Lei da S/A, inciso II do art. 179 - e, caso não exista previsão de que este ativo venha ser realizado nos exercícios seguintes, o contribuinte será obrigatoriamente pressionado pela “Auditoria Interna e Externa” a lançar estes valores como despesa em resultados. Deste modo, esses valores lançados como despesas influirão no resultado do período como algo inesperado. Esse ponto é crucial sob o ponto de vista legal das repercussões para os administradores, contadores e auditores, sem contar com o aspecto financeiro da manutenção de um ativo que não proporcione resultado.
Ou seja, é um cenário de muita pressão que tende a se ampliar cada dia mais em razão do grau de dificuldade de utilização do crédito acumulado do ICMS e IPI, do saldo credor continuado ICMS-IPI e do ressarcimento ICMS-ST e a séria crise que o país atravessa.
Talvez estes fatos justifiquem o clamor e pressões das grandes empresas junto aos Governos pela liberação de seus créditos, já que estes créditos fiscais deveriam figurar no passivo dos Governos, pois são dívidas tributárias dos Governos para com as empresas.
Com certeza podemos afirmar que estes movimentos contribuem de certa forma para acirrar a guerra fiscal entre os estados, já que muitas empresas começam a procurar estados com legislações tributárias mais flexíveis e menos onerosas no cumprimento das obrigações fiscais.
Opinamos que como estratégia o governo federal e os governos estaduais poderiam aproveitar a oportunidade do novo contexto de classificação contábil dos créditos acumulados dos impostos como ativo circulante ou não circulante ou ser classificado como despesa e rever o conceito e a forma de utilização da compensação dos saldos credores continuados, do ressarcimento e dos créditos acumulados.
Ou seja, o governo federal e os governos estaduais poderiam aproveitar para transformar esta grave situação dos créditos acumulados dos impostos e transformar em oportunidade. Os valores são fabulosos, já que superam os R$ 23 bilhões que o governo federal propõe cortar do orçamento de 2016. O efeito nocivo deste mecanismo de acúmulo de créditos de impostos é que possuímos 44,3% das empresas exportadoras do país afetadas pela não devolução dos impostos federais e estaduais, que já somam a R$ 60 bilhões.
Hoje os créditos tributários retidos nas empresas são na verdade passivo dos governos e deveriam figurar como dívidas em sua contabilidade, nos termos do previsto no artigo 29 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Infelizmente a contabilidade pública no nosso país é executada no regime de caixa e isso gera esta distorção, qual seja, as LOAs e as LDOs estão imprecisas. Nós cidadãos não sabemos qual é o real tamanho das dívidas dos governos.
Independentemente da discussão da contabilidade pública e a responsabilidade dos governos e dos tribunais de contas do país, talvez, como discussão inicial, caberia oferecer uma contrapartida de liberação dos créditos acumulados do imposto com a condição de retorno em investimentos no próprio Estado, ainda que de forma gradual visando principalmente, não só a manutenção do emprego, mas ao aumento de produtividade.
Mais, diante do caos econômico em que nos encontramos porque não aproveitar com critério estes valores que “os governos devem as empresas” de forma que pudessem ser utilizados por elas para quitar dívidas tributárias, muitas impagáveis, que outras empresas da sua cadeia de fornecimento possuem junto ao próprio governo ou utilizar como moeda para aquisições, fusões e incorporações, e assim com regras claras utilizar os R$ 60 bilhões para impulsionar a economia?