A importância do preço de venda e a crise nacional
Se pudéssemos eleger nos últimos dias um símbolo da importância de se estabelecer corretamente o preço de venda de um produto ou serviço, com certeza nada poderia espelhar melhor que a manchete “ TJ derruba reajuste de Alckmin do Metrô”, noticiada no dia 11 de janeiro de 2017 pelo jornal O Estado de São Paulo.
O surreal da chamada é o cerne do seu conteúdo quando informa que o desembargador Paulo Dimas, presidente do TJ, decidiu congelar a tarifa básica do transporte público em R$ 3,80 sob o argumento de que “ ... A planilha trazida pela Fazenda do Estado, que repete a enviada ao Poder Legislativo, é singela e despida de dados concretos a respeito da variação de preços e insumos do transporte público, do comportamento da demanda, da remuneração dos operadores dos serviços, do custo por passageiro, de receitas extraordinárias...”.
Ou seja, afora a discussão sobre motivações políticas, econômicas, de autonomia dos poderes relacionada ao fato, o que chama a atenção para a notícia é a informação sobre a justificativa da negativa do judiciário relacionada ao preço de um serviço elaborada por um órgão público, qual seja, a carência de informações manifesta em uma “planilha singela e despida de dados concretos a respeito da variação de preços e insumos do transporte público, da remuneração dos operadores dos serviços e do custo por passageiro”.
A situação limitada ao que é noticiado acima é preocupante, pois transmite ao leitor a sensação de descontrole, pouco caso com a coisa pública, ausência da boa técnica na formação do preço de venda o que, consequentemente, demonstra existir desconhecimento, entre outros, sobre os conceitos contábeis básicos sobre custos, despesas, custeio e investimentos.
Não distante no tempo e alinhada ao contexto como a demonstrar sinais de um corpo com órgãos suplicando por auxílio é a notícia do jornal O Globo, de 09 de janeiro de 2017, com o título: “Em dez anos, 72 obras em presídios foram canceladas” e para este caso a alegação que consta da administração pública para as obras não realizadas é que o convênio para repasse das verbas foi cancelado pela demora de início das obras pelos estados.
As duas notícias, como que fotografias instantâneas, retratam a dificuldade do setor público do país em estabelecer controles contábeis e gerenciais modernos, inclusive sobre o custo real não só do preço da passagem do Metrô, mas do custo da máquina pública, pagando a sociedade ao final e por isto um preço elevado e por diversas formas, pela ineficiência da máquina pública.
E, se isso é uma fotografia, qual seria a imagem se fosse uma radiografia?
Um exemplo do que poderia ser esta radiografia é o atual desconhecimento da sociedade do real estado das contas públicas e cito como uma das razões o fato da atual contabilidade pública, em todos os níveis, ser efetuada pelo regime de caixa, ou seja, a contabilização atual da receita com os tributos é reconhecida somente quando do efetivo recolhimento pelo contribuinte e no caso das despesas quando do seu pagamento e não quando da sua efetiva geração. Isto ocorre mesmo que o contribuinte entregue, por exemplo, uma Guia de Informação e Apuração – GIA, do ICMS e posteriormente não venha a recolher o imposto declarado. Esse fato de não contabilizar a receita no momento da geração ou declaração (por competência), mas somente quando entra o recurso efetivamente no banco (regime de caixa) colabora para um não gerenciamento eficaz da dívida tributária seja, ela a administrativa, ativa ou a pendente de decisão judicial. Há que se ter transparência na dívida tributária dos contribuintes para que a sociedade tenha ciência dos montantes e quem são estes devedores e o que o estado faz para recuperar estes valores que pertencem à sociedade. A não cobrança da dívida em 5 (cinco) anos faz com que o débito prescreva perdendo o estado o direito de cobrar estes tributos.
O mesmo ocorre com o elevado e desconhecido montante de saldo credor do ICMS, do IPI, do PIS e da COFINS que são direitos dos contribuintes e que muitas vezes constam há nos anos nos balanços das empresas e que por outro lado deveriam figurar no Balanço Público do Estado como um passivo, já que um dia eles deverão impactar a receita tributária futura.
Será que se no serviço público tivéssemos mais profissionais com formação contábil, especializados, experientes, uma contabilidade por regime de competência, as unidades públicas gerenciadas através de centros de custos, controladas com metas e métricas factíveis, avaliação individual de cada gestor, e principalmente transparência, esses fatos ocorreriam?
Sem querer ser tendencioso, mas prático, a resposta é que não ocorreriam, não porque os contabilistas sejam melhores administradores que outros operadores de outras ciências, porém porque sendo o seu campo de estudo a evidenciação, a mensuração e reconhecimento das informações financeiras ou não que possam impactar o patrimônio, estes profissionais estão mais aptos a lidar com as técnicas de controle, formular análises e preparar relatórios que levem em consideração as alterações quantitativas e qualitativas que possam repercutir no patrimônio das entidades públicas.
Se no serviço público tivéssemos estas informações contábeis estruturadas os responsáveis pelas unidades públicas teriam mais facilidade em formular ou reajustar o preço de uma tarifa do Metrô ou mesmo gerenciar o projeto de obras de construção de presídios.
Um bom sinal e esperança do início de novos tempos para a sociedade brasileira e que esperamos venha a evitar novos fatos como os noticiados é, entre outras, a recente medida editada pelo Conselho Federal de Contabilidade – CFC, através da NBC TSP Estrutura Conceitual, de 23 de setembro de 2016, com vigência a partir de 1º de janeiro de 2017, destinada regulamentar a nova forma elaboração da contabilidade do setor público. Com o seu cumprimento por todas as entidades públicas e contando que os usuários das informações contábeis resultantes não sejam somente os governos, mas também a sociedade, ocorrerão novos tempos de informações contábeis públicas e transparência dos relatórios financeiros.
A ausência da cultura de controles não é exclusividade do setor público e o setor privado também padece das mesmas dificuldades. O desconhecimento gerencial faz submergir muitos empreendimentos, principalmente nos primeiros anos de atividades, e isto causa além de forte ônus emocional e financeiro aos proprietários, funcionários e terceiros, riscos à sociedade, uma vez que muitos tributos deixarão de ser recolhidos em razão do encerramento das suas atividades.
Pesquisas indicam que grande parte dos empreendedores, inclusive empresas de porte médio, possuem dificuldade na administração dos custos e no estabelecimento dos preços venda dos seus produtos.
Trabalhar com controles de custos, despesas e preços de compra e venda, em razão da sua complexidade, é missão para especialista, de preferência com formação contábil.
Área crucial, a responsável pela formação do preço de venda, seja ela de mercadoria ou serviço, deverá ter domínio sobre os conceitos contábeis de custos, despesas e todos os aspectos tributários relacionados ao produto. Para tanto é elementar deter, entre outros, conhecimento sobre a concepção física do produto, a forma de sua produção, suas funções, principais e secundárias, para o que é destinado, qual o campo de aplicação, uso ou emprego, inclusive a forma da sua apresentação.
O motivo é que, seja um pipoqueiro de praça ou uma complexa indústria de medicamento, a intenção quando da venda de uma mercadoria é que seja possível recuperar os custos e despesas incorridos na sua produção e comercialização, os tributos mais o lucro desejado sobre o produto.
Dependendo da complexidade do negócio é fundamental, ainda que com o auxílio de profissional externo, possuir um mínimo de controle sobre os custos e suas diversas opções de apuração, como por exemplo, sistema de custo por ordem de produção, por produção contínua ou misto, competência em apropriação dos custos, seja por absorção ou de forma direta, também conhecimento sobre apuração de estoques, quer seja por média ponderada móvel ou fixa e, ainda que exista a identificação de despesas, do lucro desejado, a identificação dos regimes tributários relacionados à mercadoria e suas respectivas possibilidades de operações.
Ocorre que em muitos negócios o preço de venda ainda é estabelecido de forma empírica, sem técnica apurada, muitas vezes baseado em um porcentual desejado sobre os insumos comprados ou, às vezes, através de comparação com a concorrência, esquecendo-se, de início e principalmente, que no nosso país a carga tributária é de 33% do PIB. Este fato por si só já é um dos principais motivos pelos quais a maioria dos empreendimentos privados não ultrapassa os primeiros anos de vida.
Observar o aspecto tributário especializado dentro da formação do preço de venda de uma mercadoria atualmente é tão importante quanto a definição de mercado, demanda, a identificação dos custos, despesas e o lucro desejado, pois é possível que na análise da identificação tributária relacionada à mercadoria, os tributos incidentes não tenham sido adequadamente relacionados podendo causar passivos fiscais ou impossibilitando o aproveitamento de oportunidades tributárias em razão do desconhecimento de situações legais que poderiam diminuir a carga tributária do produto.
Um exemplo sobre a fundamental necessidade de especialização tributária no momento da formação do preço de venda é quando da classificação jurídica da mercadoria, de obrigação do contribuinte, no caso, através do Sistema Harmonizado e as respectivas nomenclaturas, como por exemplo a Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM e a extinta Nomenclatura Brasileira de Mercadorias - NBM. No caso do IPI, PIS, COFINS e o ICMS, regra geral, a NCM ou NBM, poderá definir benefícios fiscais, regimes especiais, como a substituição tributária, cargas tributárias reduzidas ou obrigações acessórias diferenciadas.
Saber classificar legalmente e corretamente um produto é um trabalho especializado e pode significar um diferencial no preço de venda junto ao mercado e assim representar a sobrevivência e sucesso de um negócio.
Este é um assunto importante, principalmente quando relacionado ao ICMS Substituição Tributária, pesadelo das empresas, e para tanto destacamos Decisão Normativa CAT 12/2009 publicada pela Sefaz-SP e da qual destacamos o seu item 3:
3. Cabe salientar que o contribuinte é responsável pela adequada classificação da mercadoria nos códigos da NBM/SH, devendo, em caso de dúvida, consultar a Receita Federal do Brasil.
Assim, é imprescindível dentro dos limites da burocracia e como forma de avançarmos no desenvolvimento para uma sociedade moderna, justa e transparente, que a cultura do controle e gerenciamento seja a regra predominante na administração pública e privada, a partir deste momento teremos motivo para ter muito mais orgulho de nossas instituições públicas, das nossas empresas e, principalmente, dos nossos dirigentes públicos e empresariais.