05, FEV 2016  Manoel de Almeida Henrique

Um futuro para a fiscalização tributária e contribuintes

Aqui ousamos, a exemplo de um roteirista de filmes de ficção, tentar visualizar o que poderia vir a ser uma nova estrutura de fiscalização tributária para o nosso país.

As ondas de Alvin Toffler e a fiscalização tributária 

De início, ainda que possa parecer desatualizado, há um entre outros fundamentos apregoados por Alvin Toffler em seu livro “A Terceira Onda”, editado na década de 80, que eu utilizaria para este exercício, qual seja, Tofller previa para as próximas décadas a chegada de uma nova sociedade cuja estrutura seria caracterizada pela “flexibilização”. 

Hoje, esse fundamento previsto por Tofller como “flexibilização” é uma realidade e pode ser notada com as fortes mudanças sociais ocasionadas pelas novas tecnologias cada vez mais ágeis, que além de portáteis e de grande potencial de comunicação possibilitaram maior integração de informações e pessoas, não só isso, temos também a intensificação da terceirização como forma de uma opção pela objetividade e foco, e no ambiente empresarial, o movimento mundial de descentralização de grandes corporações como forma de melhor competir em ambientes diversos. 

Estas grandes corporações, ainda que com centenas de unidades espalhadas pelo mundo adotaram estruturas mais enxutas, flexíveis, com poder de decisão vinculado. Essa nova forma de decidir, resultado da necessidade de melhor competir, é mais ágil e descentralizada onde a característica principal é o foco e objetividade no negócio com adaptação ao local onde este encontra-se estabelecido. A razão é simples, estruturas flexíveis reagem de forma mais rápida ao ambiente, pois identificam melhor os problemas e diante do contexto local oferecem respostas mais ágeis, com responsabilidade e eficiência. 

No caso das Administrações Tributárias, em uma visão estratégica macro de planejamento e tendo como propósito a eficiência, transparência e responsabilidade com o erário significa refletir na necessidade de autonomia administrativa, financeira e funcional, da mesma forma e igualmente necessária, a reforma na legislação tributária, de forma a adequá-la as necessidades do mercado, da sociedade e do próprio fisco. 

No aspecto operacional, não é difícil ver para onde as ondas de Toffler levam o fisco nacional e para qual devem se preparar, a exemplo das formigas frente a eventual turbulência que se avizinha. 

Os sinais são evidentes e o primeiro vem da própria Receita Federal que se desprende da Escrituração Contábil Digital-ECD e cria a Escrituração Contábil Fiscal ECF (Instrução Normativa RFB nº 1.422, de 19 de dezembro de 2013) com dados automatizados da ECD e como reflexo elimina a Declaração de Imposto de Renda Pessoa Jurídica - DIPJ. 

Óbvio que por trás desta ação estratégica da Receita Federal não está somente a simplificação do Imposto de Renda, mas sim e pelo que sentimos, a ideia de manutenção de um único canal de comunicação com contribuinte através do sistema digital SPED.  De qualquer forma, no caso da ECD-SPED, é o primeiro sinal de que se caminha na direção em que o contribuinte manterá somente uma única escrituração na sua empresa, a contábil. A escrituração contábil deverá ser mantida, seja por ser obrigatória nos termos do Código Civil e possuir uma linguagem de padrão universal, seja por ser fonte de informações para a gestão empresarial, ao mercado e ao governo.

Isso é importante, pois demonstra que caminhamos para o amadurecimento do fisco e do contribuinte, e como resultado ganha toda a sociedade, haja vista o clamor pela urgente necessidade de redução do custo de conformidade do país de forma para torná-lo cada vez mais competitivo. 

Outra importante sinalização a respeito da extinção da escrituração fiscal – EFD é a nova funcionalidade relacionada com a NF-e prevista para entrar em vigência. 

Não obstante já estar sendo utilizada na forma de piloto por alguns contribuintes, a funcionalidade da manifestação de aceite do destinatário da NF-e, com previsão da massificação obrigatória, será um novo e importante patamar alcançado rumo a uma maior simplificação das obrigações acessórias para os contribuintes, além de proporcionar um melhor controle do sistema. (http://www.nfe.fazenda.gov.br/portal/perguntasFrequentes.aspx?tipoConteudo=yjOJMwFOkA0=) 

Com a funcionalidade do aceite pelo destinatário na NF-e e, se em um novo passo, for incluída nesta a informação o código do CFOP relativo de qual será a utilização futura da mercadoria, essa importante informação possibilitará ao fisco estadual e federal, de forma eletrônica, a montagem dos livros fiscais de entrada, de saída e parcialmente de apuração do ICMS, IPI e Inventário, já que neste momento disporá em seus bancos de dados todas informações de entradas e saídas do contribuinte. Ocorrido este novo movimento, o fisco estadual, em alinhamento com o federal estará decretando em definitivo e de forma emblemática a extinção de uma obrigação acessória fiscal secular que é a Escrituração Fiscal.

Esse cenário não está longe de acontecer se lembrarmos que no Estado de São Paulo já existem setores econômicos participando do projeto piloto de aceite do destinatário da NF-e, a exemplo das distribuidoras de combustíveis que já trabalham e efetivam a manifestação do destinatário na NF-e. (https://www.fazenda.sp.gov.br/nfe/manifestacao/manifestacao.asp).

A mudança do ICMS, de lançamento por homologação para declaração 

Quando isso ocorrer, outro fato importante deverá acontecer como consequência que é uma mudança das principais características do ICMS, qual seja, o lançamento por homologação, que será substituído pelo lançamento por declaração, já que será possível ao fisco, através das NFes de entrada e saída, e de forma eletrônica a distância apurar o ICMS e encaminhar ao contribuinte de forma on-line o possível ICMS a pagar.

 Ao contribuinte restará confirmar o valor apurado pelo fisco em um determinado prazo de tempo, ou solicitar a inclusão ou exclusão de valores que o fisco desconhece, a exemplo de um estorno de crédito do ICMS relacionado à parte de uma determinada matéria prima que foi utilizada como material de uso e consumo. Esse fato será uma quebra de novo paradigma que deverá beneficiar os contribuintes pela diminuição do custo de conformidade e o fisco que poderá prever e fornecer ao poder Executivo o valor antecipado da provável entrada de recursos financeiros no erário.

As ondas formadas por dados e informações e a necessidade de adaptações do fisco

 As novidades relacionadas aos processos e documentos digitais avançam cada vez mais e alteram o ambiente como que constantes ondas. Resta no caso, ao fisco, adaptar-se e ser ágil e aproveitar as oportunidades. 

Aos poucos e de forma moderna o fisco deixa o seu papel de grande tutor e com a pesada carga de ser responsável pelo universo fiscal e recursos tributários para ser um importante ator que interage e contribui no ambiente, inclusive como um grande facilitador e regulador, porém em conjunto com os demais de forma transparente e todos com um único objetivo de beneficiar a sociedade.

É previsível que as estruturas de fiscalização, seja a de planejamento como a operacional deverão se adaptar a este novo ambiente de geração de forte e elevada quantidade de dados e informações, inclusive de forma cada vez mais veloz e em tempo real. 

Os quatro grandes movimentos como ondas de mudanças fiscais 

Com isso, deveremos observar a chegada de prováveis quatro movimentos de mudanças.

O primeiro movimento será a mudança na forma de planejamento macro das ações fiscais, onde os cruzamentos indiscriminados de bancos de dados para posterior verificação local serão substituídos por análises muito mais precisas, com muito mais foco, objetividade e acerto.

 Esse primeiro movimento será acompanhado de uma redução do risco fiscal para o estado e um bem maior para o contribuinte, pois o ciclo se fecha com a chegada da CFe e o SAT; a administração tributária obterá acesso ao processo da fabricação de um produto até a sua venda a um consumidor final. Ou seja, indústria, atacado e varejo poderão ser monitorados como um radar digital tributário.

 Um dos principais resultados deste primeiro movimento será a eliminação do documento fiscal inidôneo, principal câncer tributário que atormenta não somente o fisco nacional, mas também de outros países. Nesse sentido, salas de monitoramento eletrônicas, seja na administração central ou regional poderão acompanhar a emissão “on line” de notas fiscais podendo interferir mais prontamente, e não como hoje ocorre, quando o fisco, por desconhecimento, enfrenta o fato muitas vezes depois de anos do fato ocorrido.

 Todavia com toda esta malha de cruzamentos e informações eletrônicas o planejamento, centralizado ou não da administração tributária, e decorrente da forte cultura de sonegação em nosso país, deverá resgatar os trabalhos de verificação fiscal em trânsito nas rodovias, avenidas e grandes centros, porém, sem aquela necessidade de presença física ostensiva e aleatória do fisco, mas sim com movimentos previsíveis, pois com a integração de sistemas de câmeras, pórticos com leitores digitais e antenas nas ruas, avenidas e rodovias será possível identificar padrões de comportamentos nos transportes, cruzar a placa do veículo com os dados de documentos fiscais eletrônicos emitidos, tags,  e assim identificar antecipadamente a entrega de mercadoria sem documento fiscal.    

O segundo movimento, até em razão do primeiro deverá atingir o trabalho de campo do auditor fiscal externo. Neste caso, não é difícil visualizar que as auditorias antes executadas através de cruzamentos de informações pelo próprio auditor, a exemplo dos arquivos Sintegra, EFD, NF-e e outras que levavam meses para serem concluídas deixarão de existir nesta modalidade. Relatórios eletrônicos com todos os cruzamentos e fornecimento de indícios precisos serão elaborados pela administração central ou regional e disponibilizados ao auditor fiscal externo, sempre e antes do início da emissão da ordem fiscalização, já que não se emitirá uma ordem de fiscalização sem um forte indício de irregularidade fiscal.

O foco e objetividade não deverão ser vistos somente sob o ângulo do fisco, mas também do contribuinte, pois não é mais concebível, com exceção dos casos de fraudes, o contribuinte ficar constantemente recebendo auditores fiscais e mantendo uma estrutura administrativa para atendimento, principalmente, das notificações relativas a informações digitais que já se encontram disponíveis nos bancos de dados da Sefaz.

 Dessa forma, cada vez mais a área de planejamento da administração tributária, seja de forma centralizada ou descentralizada, deverá ser eficiente na busca do contribuinte-alvo com certeza infracional para, após concluída a ação fiscal objeto do acionamento, exigir os valores tributários e, ao final do trabalho pela área de execução, proceder ao confronto com o planejado, acompanhando assim tanto o planejamento como a execução de forma que os eventuais desacertos sejam sempre justificados.

Com isso, na auditoria fiscal do futuro, o auditor fiscal externo já receberá um relatório com as possíveis infrações cometidas pelo contribuinte e a ele restará verificar através de outros instrumentos, inclusive locais do estabelecimento auditado, as eventuais situações camufladas ou omitidas do fisco. Esta fase será caracterizada por um fisco mais orientador e muito mais cirúrgico em suas ações fiscais, evitando assim as penosas e elevadas multas regulamentares.

 Neste novo cenário, a escrituração contábil digital - ECD será muito importante e a nova fronteira para o auditor fiscal estadual e municipal. Descobrir, através dos atos e fatos registrados na escrituração, situações que interferiram na base econômica do ICMS com reflexo na falta de pagamento do imposto será o grande desafio. Ou seja, ganha status e importância a auditoria contábil, não no formato de execução mecânica, mas sim com a importância da habilidade adquirida para interpretação dos relatórios contábeis econômicos financeiros sob o ponto de vista fiscal estadual e municipal.

O terceiro movimento, como consequência do segundo, será a ampliação do poder de visão do auditor fiscal, inclusive com a quebra de paradigma jurisdicional em relação ao ambiente interno e interestadual. O motivo é que na auditoria contábil o conceito de estabelecimento (local) deixa de existir prevalecendo a partir de então o conceito de empresa. A razão é que uma irregularidade contumaz fiscal detectada em uma filial, provavelmente deverá ocorrer nas demais e, nesse caso, através de acordos e convênios interestaduais o fisco atuará de forma integrada sobre todo o grupo empresarial e não mais somente sobre um estabelecimento isolado. É a integração total das administrações fiscais como uma grande rede de informações em que o maior beneficiado será a sociedade brasileira. Eventuais necessidades de deslocamentos, internos ou interestaduais poderão ser autorizadas desde que a motivação justifique tal decisão.

O quarto movimento, como ápice do processo, será a auditoria fiscal, já não mais no conceito empresa, mas sim no conceito de “contexto econômico tributário comum” em que se encontra a infração.

 Com o domínio da tecnologia e o tratamento de grandes volumes de informações em tempo real pela administração tributária, o auditor fiscal externo deverá estar preparado para a missão de saber compreender, interpretar e desvendar no contexto de diversas empresas e operações, em um ambiente estruturado por complexos planejamentos de engenharia tributária, blindagem patrimonial e fraude estruturada, as situações que prejudicam e inibem a entrada de recursos tributários ao erário.

 Para tanto, não bastará o diagnóstico fiscal de cruzamento de informações e o domínio da interpretação de relatórios contábeis, mas sim, será exigido conhecer e compreender em profundidade as peculiaridades do entorno do contexto econômico, suas motivações, para, em sendo o caso, exigir o imposto de forma inteligente, eficiente e precisa. Um exemplo para estes casos são os grandes investimentos realizados na modalidade de Sociedade de Propósito Específico, onde encontram-se interesses de diversos grupos empresariais, muitas formadas por holdings, inclusive no exterior, consórcios, empresas de montagem, construção civil, fabricantes e importadores de equipamentos.

Já no caso de operações comerciais de varejo, outro exemplo é a construção de operações de engenharia tributária ilegal formada por grupos empresariais que se utilizam holdings company, fluxos financeiros em espécie em razão da atividade de varejo, através de empresas de transporte e custódia de valores, que por sua vez atuam como verdadeiras instituições financeiras, porém, com a vantagem de não se expor ao controle do Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF.

 Enfim, para todo este cenário, a Sefaz do Estado de São Paulo, através da sua Administração Tributária, de forma pioneira se antecipou, não só em relação aos inúmeros projetos em andamento que poderão tornar realidade o que aqui singelamente se apresenta, mas também porque existiu uma antecipação com a execução de um projeto (Profisco 4.8 ECD/SPED) que possibilitou a fiscalização possuir todo um aparato tecnológico, capacitação em contabilidade lastreada nas IFRS, inclusive a regulatória, roteiros de auditoria contábil, software especializado de auditoria contábil tributária, estudos de alinhamento dos novos conceitos contábeis com a legislação tributária estadual e preparação de cursos voltados a auditoria contábil tributária avançada.

 Com a previsão deste novo ambiente moderno o auditor fiscal como guardião eficiente do erário, deverá fazer uma forte reflexão como servidor público, verificar os caminhos e buscar possuir competências para atuar com habilidade no tratamento de documentos digitais, assumir domínio sobre a auditoria digital, deverá conhecer e saber interpretar informações e relatórios contábeis, aprofundar seus conhecimentos da legislação tributária e também do setor econômico contexto em que se encontra o contribuinte e não menos importante, possuir atitude e dignificar a função.

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