05, DEZ 2016  Manoel de Almeida Henrique

A contabilidade com holofote no conflito tributário do software: ICMS X ISS

A tributação, controle e fiscalização sobre o software de prateleira comercializado através de download ou por meio de um suporte físico é hoje um dos maiores desafios das administrações tributárias dos municípios e estados.

O imbróglio tributário inicia com os estados que argumentam ser o software de prateleira, comercializado através de um suporte físico ou por meio de download fato gerador do ICMS, entendimento esse contrário aos municípios que sustentam que ser a operação fato gerador do ISS. E para adicionar complexidade ao tema, alguns contribuintes produtores e comerciantes de software de prateleira, por sua vez, se recusam a reconhecer tanto a tributação do ICMS sobre este como a do ISS por entenderem que a operação comercial não é fato gerador de nenhum dos dois impostos.

Afora as discussões sobre o peso da atual carga tributária vigente no país, essa controvérsia tributária é danosa para o país pois, entre outros prejuízos, colabora para o estímulo a concorrência desleal, a sonegação e o prejuízo aos cofres públicos, seja ele municipal ou estadual.  

Levantamento efetuado pela Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES) e a consultoria IDC, publicado em 06/06/2016, sobre o setor de TI no país em 2015, informa que o mercado mundial de investimentos em software e serviços totalizou US$ 1,124 trilhão e o Brasil encontra-se colocado na 8ª posição, com US$ 27 bilhões.

É um mercado representativo que provoca o fisco das três esferas de governo, pois como controlar e fiscalizar os números astronômicos de downloads de softwares de programas comercializados virtualmente e que podem ser originários de qualquer lugar do planeta?

Atualmente, um software de prateleira poderá ser adquirido em lojas físicas do setor acondicionado em um suporte físico, como por exemplo um DVD e ser tributado pelo ICMS em uma loja e pelo ISS em outra loja, o mesmo ocorrendo com as lojas virtuais e com o mesmo software, sendo a única diferença o fato de ser comercializado através de download.

Nessa disputa entre os estados e municípios e contribuintes, entre outros argumentos, pesa de um lado a discussão sobre a constitucionalidade do ISS no item utilizado para tributar o software, no caso, o item 1.05 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03. “ ... 1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação...”, uma vez que essa corrente entende que este item contraria o aspecto nuclear desse imposto que é prestar serviço a uma pessoa, jurídica ou física, ou seja no cerne do imposto existe uma obrigação de fazer, e do outro, no caso do ICMS, a controvérsia de sua constitucionalidade reside desde o aspecto da imaterialidade do software e sua não caracterização como mercadoria, ao local da origem do fato gerador do imposto, já que uma loja virtual pode se encontrar em um estado da federação e o servidor onde se encontra armazenado o software a ser baixado em outro e o consumidor em outro.

A controvérsia tributária da disputa entre os estados e os municípios sobre o software não é novidade, tanto que o STF em 26.5.2010 deferiu parcialmente a medida cautelar na Adin 1945 a favor do estado de Mato Grosso para o fim de exigir ICMS sobre software, inclusive através de download.

Neste contexto, em outra disputa judicial iniciada em 17/08/16, a Confederação Nacional de Serviços (CNS) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI - 5576 contra o estado de São Paulo por entender que as operações com programas de computador não são fato gerador do ICMS, mas sim do ISS e que neste caso a cobrança por São Paulo seria bitributação.

Discussões judiciais à parte, o Estado de São Paulo determinou em 2015 que a partir de janeiro de 2016 a base de cálculo do ICMS sobre o software fosse o valor total cobrado do adquirente, conforme consta no Decreto 61.522/2015, que inclusive revogou o Decreto 51.619/07.

Ato contínuo, em face de posicionamentos conflitantes entre estados, municípios e contribuintes sobre o tema e em uma tentativa de neutralizar os efeitos negativos deste confuso ambiente tributário, a Sefaz-SP, em janeiro de 2016, através do Decreto 61.791, introduziu dois dispositivos no RICMS, o art. 37 às Disposições Transitórias e o art. 73 ao Anexo II;  o primeiro impede a cobrança do ICMS nas operações com software através de downloads e o segundo reduz a carga tributária do ICMS para 5%, nivelando-se assim  a disputa com outros estados e os municípios.  

O assunto é de extrema importância e oportuno é o alerta aos governos federal, estadual e municipal, já que eles próprios são grandes consumidores de softwares padronizados de forma isolada, e nesse caso, como exemplo, citamos os estados que defendem a tributação do software pelo ICMS, mas adquirem esses produtos aceitando a tributação pelo ISS, deixando mais confuso o mercado.

Ou seja, os três entes tributantes da federação deveriam buscar um esforço conjunto em solucionar a questão da tributação do software sob pena de eles próprios, ao adquirirem esses produtos, compactuarem com possíveis irregularidades tributárias em valores milionários.

Citamos como exemplo do volume dessas operações uma compra efetuada pelo governo federal, através da Caixa Econômica Federal, conforme Processo 7066.01.2134.01/2015, no Pregão Eletrônico 090/7066-2015, referente ao Contrato nº 10798/2015, relativo ao fornecimento de licenças de uso permanente de softwares aplicativos e sistemas operacionais Microsoft para estações de trabalho no valor de R$ 144 milhões. Neste caso, essa operação terá sido tributada pelo ICMS ou ISS?

Uma forma de depurar este ambiente complexo de disputa de competência tributária e visualizar um desfecho justo é, preliminarmente, buscar segregar a essência dos fatos com a utilização dos recursos do holofote da contabilidade e, na sequência, despontando-se a natureza econômica da operação em conformidade com o lançamento contábil, adequá-la de forma harmoniosa à respectiva tributação apropriada.

Essa depuração pode ser realizada através da combinação dos artigos 109 e 110 do CTN que impõem a prevalência do direito privado, civil ou comercial, em relação à definição, o conteúdo e ao alcance dos seus institutos, conceitos e formas, juntamente com a iluminação desse ambiente emanada da Lei 6.404/76, alterada pela Lei 11.638/07, a qual determina que na escrituração contábil dos fatos administrativos há que se fazer prevalecer a essência econômica sobre a forma jurídica.

Tal estudo é importante, pois além de trazer um instrumento jurídico contábil novo para essa discussão, vai ao encontro do atual momento em que se rediscute as responsabilidades dos profissionais contábeis diante da sociedade, lembrando que a eles compete identificar a real finalidade de uma operação econômica, conforme, inclusive, é previsto na determinação do item 4.6 da Resolução CFC N.º 1.374/11 que deu nova redação à NBC TG ESTRUTURA CONCEITUAL – Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro:

 “ ...4.6. Ao avaliar se um item se enquadra na definição de ativo, passivo ou patrimônio líquido, deve-se atentar para a sua essência subjacente e realidade econômica e não apenas para sua forma legal...” (gn).

Ultrapassada essa ação de identificação e definição de como será realizada a contabilização do fato relacionado ao negócio com software, seja ele uma prestação de serviço ou compra e venda, fica mais fácil visualizar a conformidade sob o ponto de vista da incidência do fato gerador do imposto competente.

Sob o ponto de vista técnico contábil, se uma pessoa física ou jurídica acessa um site de uma empresa que produz e ou comercializa software de forma padronizada e na sequência diante de uma demanda este comprador adquire um dos softwares disponíveis, por exemplo, um aplicativo de texto, ou uma planilha ou um antivírus e baixa o arquivo do programa através de download, o movimento efetivo comercial realizado é o de compra e venda do aplicativo, essa é sua essência econômica e assim deve ser contabilizada, embora possa constar do produto uma proteção ao produtor do software na forma jurídica do aceite de uma cessão de uso da licença.

Da mesma forma, se esse software estiver disponível em uma loja física e acondicionado em um suporte físico, igualmente, a operação comercial será de compra e venda, assim como sua contabilização, não podendo ser considerado uma prestação de serviço, já que continua a essência do ato de compra e venda e a substância do seu conteúdo e do seu destino ser o mesmo.

Enfim, sobre software padronizado comercializado através de mídia física ou de forma virtual através download, é certo que o holofote do direito contábil deixa visível que a operação comercial deve ser tributada pelo ICMS.

Resta, ao final, dizer que o holofote contábil é uma ferramenta poderosa e está disponível para aqueles que sabem operá-lo e a vantagem do seu uso não será somente visualizar o que se encontra no cenário do palco, mas também muito daquilo que pode estar atrás, nos bastidores!

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